Existe sim o prazer de ter presenciado o último show da carreira da Rita Lee, e é sobre isso que vou escrever hoje. Mas quero ressaltar que tenho também o desejo de ver a rainha do rock nacional voltar atrás nesta idéia e participar de alguns eventos, quando der vontade. Por exemplo, seria lindo se ela fizesse um showzaço de final de ano, todos os anos, reunindo sua família de músicos, e amigos musicais da pesada, como o “Bituca” Milton Nascimento, Zélia Duncan e tantos outros. Dito isso, agora sim, posso cravar sobre o último show de Rita Lee (por enquanto, quem sabe...): que noite memorável.
Os preparativos já começaram durante a semana via Twitter quando Rita perguntava se poderia usar acento no “u” final de Aracaju. Se o jogador Falcão uma vez disse que o jogador de futebol tem duas mortes, pois tem uma antes da final, que é quando pára de jogar, para um artista, encerrar uma carreira deve gerar um sentimento parecido. Assim que pisou o palco, pudemos sentir a emoção de todos como se fosse uma final de Copa do Mundo. A banda foi impecável durante todo o show, tocou como nunca. E eis que após umas duas músicas, surge uma presença inesperada e uma reação surpreendente.
Na platéia, tudo transcorria em ritmo de verão sergipano e uma paz de espírito entre os presentes, típico de quem recebe a honra de ver o último show de uma das maiores personalidades da história da música brasileira. Não tenho a intenção de fazer um texto-goleada de 20x0 para a Rita, pois sei que ela não gosta de bajuladores. Por isso, é importante acrescentar que a polícia passeava pelo local, tranquilamente. Pelo menos nas vezes que meus olhos enxergaram ( visão bem menos privilegiada que do palco), a polícia estava apenas caminhando entre o povo. Mais como precaução. Por outro lado, é preciso que entendamos toda a ansiedade de lovely Rita, pensando em tudo que aconteceu a ela nesta carreira musical, e que a partir do final daquele show, tudo seria passado. O futuro seria de música ainda, mas nos estúdios. “Virarei uma rata de estúdio, tenho material para mais uns 5 álbuns de inéditas”, já disse ela.
Ao ver os policiais, ela ficou com aquela vontade de garantir que eles não atrapalhariam o ambiente. Expressou isto em palavras. A ansiedade havia se convertido em uma agressividade crescente contra eles. A emoção tomou conta e não teria mais volta. Muitos palavrões, frases certeiras e pesadas, a família toda do palco filmando. Beto Lee, seu filho, em um celular, Roberto de Carvalho em um tablet, registrando tudo. E o público, a cada frase de Rita, em completo êxtase, aplaudindo cada vez mais e pedindo para a PM ir embora.
A polícia local acabou detendo Rita Lee após o show, ela foi embora pra sua Sampa horas depois e isso ficou no passado. Ela não precisava fazer isso, mas a emoção a induziu a um erro. Pode ser considerado assim. O que me chamou a atenção é que a banda local de reggae “Reação” também fez apologia à maconha, apesar de não xingá-los, mas a polícia não chegou a pensar em detê-los também. No mínimo curioso.
Tudo isso fez parte desta noite. Era pra ter sido assim mesmo. Como se a noite final tivesse sido feita pra ser um resumo de sua carreira: cheia de músicas maravilhosas, de alegria, de fãs maravilhados por seu talento, mas também cheia de polêmicas. Afinal, se o Chico Science gostava de uma cerveja antes do almoço pra ficar pensando o melhor, Rita Lee sempre gostou de uma opinião firme pra ficar pensando a vida, a sociedade, seus prazeres, suas músicas.
Obrigado, Rita Lee! Nossa música é tão rica, reconhecida no exterior, e você tem grande parte nisso. Eu sei que você disse que seria o último show. Mas se mudar de idéia, seus milhares de fãs estarão te esperando de sorriso aberto. E torcendo para que sua relação com a polícia apenas ajude a levantar bons debates.
Fred Neumann é cantor, compositor, publicitário e cronista. Pode assumir outros papéis também. A vida muda muito.