quarta-feira, junho 27, 2012

A conversa entre a mãe chinesa executiva e a mãe brasileira pescadora


Há muito tempo escutei pela primeira vez uma história, que acabei repetindo durante toda minha vida, pela grandeza de valores que ela passa. Vou contá-la aqui em uma roupagem nova, refletindo sobre uma reportagem que vi na televisão.
Zin Li, uma chinesa, mãe de dois filhos, executiva de uma grande multinacional, veio passar uma temporada de trabalho em São Paulo.  Não foi uma missão fácil para ela, pois apesar de trabalhar para esta multinacional, passa mais tempo em Beijing, quando consegue reger uma escala de tarefas, esportes, aulas de música e outros deveres para seus dois filhos. Um menino de 8 anos e uma menina de 6. Na agenda diária deles não existem momentos de ócio. E para dormirem, é preciso que todas as missões tenham sido cumpridas. Caso contrário, uma noite de pouco sono vem pela frente. Como punição mesmo.
Em São Paulo, Zin Li participa de reuniões intermináveis, envolvendo decisões estratégicas para sua empresa. Lida com executivos homens latinos e machistas, que acrescentam uma camada a mais de dificuldade para sua rotina. Depois de cinco dias intensos, Antônio Fino, seu colega presidente da subsidiária brasileira reconhece todo o esforço dela e a convida para um fim-de-semana em seu sítio, junto de toda sua família.
O sítio fica na cidade de Amparo-SP e costuma reunir muitos familiares do Fino. E foi ao chegar lá que a mãe chinesa executiva foi apresentada à esposa de seu colega de trabalho, a sra. Fino. Ou melhor, Claudia.
A curiosidade mútua brotou rapidamente entre elas, o que as levou depois do almoço farto de Sábado à beira do rio. Elas praticariam o passatempo favorito de Cláudia: a pescaria.
Para a correria intensa de Zin Li, algo muito novo. Ela buscou em suas memórias mais recentes, depois nas mais antigas, e não se lembrou sequer de um lago ideal para pescaria em Beijing ou redondezas. Algo novo mesmo, muito novo. Com isso, logo começou uma conversa que afetou as duas para sempre:

-       Claudia, você costuma pescar com frequência?
-       É meu passatempo preferido, Zin Li. E as crianças curtem, pois descansam de mim por um dia, fazendo uma farra danada na chácara com os primos.
-       Mas Claudia, você deixa as crianças soltas por um dia todo, só brincando? Sem nenhuma tarefa ou missão a fazer?
-       Claro, Zin Li, pois qual seria o objetivo de ficar aqui na chácara e fazer mais tarefas?
-       Claudia, lá em Beijing, nosso ritmo é intenso. 7 dias por semana e todos eles recheados de tarefas e atividades. Não aceito o descanso.
-       Sei. Me diga, Zin Li, qual é o objetivo disso tudo?
-       Ah, Claudia, não abro mão. Meus filhos precisar estar no topo do que fizerem.
-       Sei, e estar no topo é o principal objetivo?
-       Sim, Claudia. Quero que eles sejam os melhores em tudo. Que escolham a melhor faculdade do mundo, sejam disputados avidamente pelas empresas.
-       Sei, Zin Li, continue por favor, depois disso, quais seriam os próximos passos na vida deles?
-       Bom, Claudia, eles conseguiriam conquistar tudo: uma casa enorme, carros de sua preferência, sem privações. Teriam uma boa esposa e filhos.

Depois de um dia encantador, as costas de Zin Li pareciam acusar: uma sensação de leveza praticamente inexistente em sua vida. Não entendia isso.
Com esse cenário, sentindo repentinamente uma alegria pela descoberta do prazer em pescar, as novas amigas continuaram o papo durante o jantar:

-       E quando as crianças tivessem nossa idade, Zin Li?
-       Cláudia, vou confessar a você, tô mudando meus conceitos assim tão rapidamente... este dia me fez pensar em muitas coisas.
-       Ó, Zin Li, foi um prazer conhecer sua cultura também. Percebi que eu deixo meus filhos muito soltos durante a semana. E pra você, como resume nossas conversas?
-       Cláudia, eu percebi que a pescaria é o ponto de culminância que eu esperava para a minha vida, e para a vida deles. O prazer de viver o momento. Mesmo planejando o futuro. O que eu esperava que acontecesse a eles daqui a 40 ou 50 anos, vi que pode ser aproveitado agora. Perdi muito tempo. As crianças não cresceriam felizes. Mesmo com elas em Beijing, posso até visualizar o rostinho exausto delas. Isso me deixou em frangalhos. Mas vou reverter isso.
-       Poxa, Zin Li, isso me comoveu. De meu lado, percebi que as culturas podem sempre se completar. Nunca haverá uma cultura melhor que a outra, um povo mais dominante que o outro. O prazer em viver supera tudo. Não existe nada mais importante. Se eu não visse a forma como você leva a sério a educação de seus filhos, talvez criaria dois despreparados para o mundo. Nunca esquecerei desse fim-de-semana. Obrigado pela convivência!

Um abraço forte selou o dia. Caminharam depois de um bom prato de sobremesa, alguns vinhos e um expresso no final. Cláudia e Zin Li viveram o primeiro dia de uma amizade que cresceria a cada ano. Mas nas próximas vezes, Zin Li traria os filhos para a chácara. Sem se preocupar com eles. Pelo menos por um dia. E muito mais perto de seus corações. Ela entendeu que é isso que vale no final.