Há muito tempo escutei pela primeira vez uma história, que
acabei repetindo durante toda minha vida, pela grandeza de valores que ela
passa. Vou contá-la aqui em uma roupagem nova, refletindo sobre uma reportagem
que vi na televisão.
Zin Li, uma chinesa, mãe de dois filhos, executiva de uma
grande multinacional, veio passar uma temporada de trabalho em São Paulo. Não foi uma missão fácil para ela, pois
apesar de trabalhar para esta multinacional, passa mais tempo em Beijing,
quando consegue reger uma escala de tarefas, esportes, aulas de música e outros
deveres para seus dois filhos. Um menino de 8 anos e uma menina de 6. Na agenda
diária deles não existem momentos de ócio. E para dormirem, é preciso que todas
as missões tenham sido cumpridas. Caso contrário, uma noite de pouco sono vem
pela frente. Como punição mesmo.
Em São Paulo, Zin Li participa de reuniões intermináveis,
envolvendo decisões estratégicas para sua empresa. Lida com executivos homens
latinos e machistas, que acrescentam uma camada a mais de dificuldade para sua
rotina. Depois de cinco dias intensos, Antônio Fino, seu colega presidente da
subsidiária brasileira reconhece todo o esforço dela e a convida para um
fim-de-semana em seu sítio, junto de toda sua família.
O sítio fica na cidade de Amparo-SP e costuma reunir muitos
familiares do Fino. E foi ao chegar lá que a mãe chinesa executiva foi
apresentada à esposa de seu colega de trabalho, a sra. Fino. Ou melhor, Claudia.
A curiosidade mútua brotou rapidamente entre elas, o que as
levou depois do almoço farto de Sábado à beira do rio. Elas praticariam o
passatempo favorito de Cláudia: a pescaria.
Para a correria intensa de Zin Li, algo muito novo. Ela
buscou em suas memórias mais recentes, depois nas mais antigas, e não se
lembrou sequer de um lago ideal para pescaria em Beijing ou redondezas. Algo
novo mesmo, muito novo. Com isso, logo começou uma conversa que afetou as duas
para sempre:
-
Claudia, você costuma pescar com frequência?
-
É meu passatempo preferido, Zin Li. E as
crianças curtem, pois descansam de mim por um dia, fazendo uma farra danada na
chácara com os primos.
-
Mas Claudia, você deixa as crianças soltas por
um dia todo, só brincando? Sem nenhuma tarefa ou missão a fazer?
-
Claro, Zin Li, pois qual seria o objetivo de
ficar aqui na chácara e fazer mais tarefas?
-
Claudia, lá em Beijing, nosso ritmo é intenso. 7
dias por semana e todos eles recheados de tarefas e atividades. Não aceito o
descanso.
-
Sei. Me diga, Zin Li, qual é o objetivo disso
tudo?
-
Ah, Claudia, não abro mão. Meus filhos precisar
estar no topo do que fizerem.
-
Sei, e estar no topo é o principal objetivo?
-
Sim, Claudia. Quero que eles sejam os melhores
em tudo. Que escolham a melhor faculdade do mundo, sejam disputados avidamente
pelas empresas.
-
Sei, Zin Li, continue por favor, depois disso,
quais seriam os próximos passos na vida deles?
-
Bom, Claudia, eles conseguiriam conquistar tudo:
uma casa enorme, carros de sua preferência, sem privações. Teriam uma boa
esposa e filhos.
Depois de um dia encantador, as costas de Zin Li pareciam
acusar: uma sensação de leveza praticamente inexistente em sua vida. Não
entendia isso.
Com esse cenário, sentindo repentinamente uma alegria pela
descoberta do prazer em pescar, as novas amigas continuaram o papo durante o
jantar:
-
E quando as crianças tivessem nossa idade, Zin
Li?
-
Cláudia, vou confessar a você, tô mudando meus
conceitos assim tão rapidamente... este dia me fez pensar em muitas coisas.
-
Ó, Zin Li, foi um prazer conhecer sua cultura
também. Percebi que eu deixo meus filhos muito soltos durante a semana. E pra
você, como resume nossas conversas?
-
Cláudia, eu percebi que a pescaria é o ponto de
culminância que eu esperava para a minha vida, e para a vida deles. O prazer de
viver o momento. Mesmo planejando o futuro. O que eu esperava que acontecesse a
eles daqui a 40 ou 50 anos, vi que pode ser aproveitado agora. Perdi muito
tempo. As crianças não cresceriam felizes. Mesmo com elas em Beijing, posso até
visualizar o rostinho exausto delas. Isso me deixou em frangalhos. Mas vou
reverter isso.
-
Poxa, Zin Li, isso me comoveu. De meu lado,
percebi que as culturas podem sempre se completar. Nunca haverá uma cultura
melhor que a outra, um povo mais dominante que o outro. O prazer em viver
supera tudo. Não existe nada mais importante. Se eu não visse a forma como você
leva a sério a educação de seus filhos, talvez criaria dois despreparados para
o mundo. Nunca esquecerei desse fim-de-semana. Obrigado pela convivência!
Um abraço forte selou o dia. Caminharam depois de um bom
prato de sobremesa, alguns vinhos e um expresso no final. Cláudia e Zin Li
viveram o primeiro dia de uma amizade que cresceria a cada ano. Mas nas
próximas vezes, Zin Li traria os filhos para a chácara. Sem se preocupar com
eles. Pelo menos por um dia. E muito mais perto de seus corações. Ela entendeu
que é isso que vale no final.