quinta-feira, março 25, 2010
Não clique nos Nardoni
Hora do noticiário, por volta de oito e meia da noite. Muitos brasileiros escolhem este horário como o ideal para ficarem informados sobre o que acontece no País e no mundo. Porém, algo tem me incomodado já há algum tempo. Não sei exatamente quando surgiu esta “tendência”. Mas é fato que você precisa deixar passar quatro, cinco notícias, até receber uma notícia realmente boa. Um editor isento poderia dizer que o mundo piorou e que tudo precisa ser noticiado. Mas sabemos também que existe sempre um grupo de jornalistas que se reúne para decidir o que será noticiado nos telejornais. Se eu recebo, pela Internet, pelo menos 20 notícias boas e relevantes por dia, não consigo entender a enorme quantidade de sangue e terror na telinha.
O título desta coluna se baseia na prática de “clicar” da Internet para ilustrá-lo. Mas serve para qualquer mídia. “Não clique nos Nardoni” significa não prestigiar as infelizes escolhas dos editores do jornalismo de todas as mídias que cometem a infeliz decisão de criar novelas e mais novelas em cima de assuntos que não nos acrescentam absolutamente nada. Pior: muitas vezes, depois de usar a criatividade de autores de novelas para hipnotizar a população, nos dias seguintes voltam a publicar notícias parecidas com as da novela. Exemplo: se a novela é sobre maus-tratos a uma criança, os editores vão atrás de uma notícia equivalente numa pequena cidade do interior do Nordeste, para pegar “carona” na novela recém-transmitida? Coloco um ponto de interrogação, porque é muito duro acreditar nisso.
Depois de passado um tempo sem mais capítulos da novela anterior, já concentrando-se em uma nova novela envolvendo a morte trágica do cartunista e de seu filho, os editores resolvem voltar com um “ Vale a Pena Ver de Novo” que, no caso do jornalismo terrorista, gera bem mais audiência que seu equivalente das novelas de ficção. Falavam da menina que foi jogada de um prédio, passam para a morte do cartunista, e voltam com a menina jogada do prédio depois de meses. Estes mesmos editores são profissionais de respeito nacional, muito queridos por todos. Mas, com a popularidade que têm, não estaria na hora de exigir de seus contratantes uma maior independência na escolha das notícias? Pois, de novo, não consigo acreditar que eles escolham isso sem uma pressão externa. E por que essa pressão? Dono de uma emissora de televisão, tenha fé: você não vai ficar mais rico ou respeitado por passar tanto sangue na telinha. Arrisco-me a dizer que você ficaria mais rico optando por notícias mais enriquecedoras.
Depois de lançar no Twitter, lanço aqui, nesta coluna publicada na mídia impressa e na Internet, a campanha “Não clique nos Nardoni”. Não precisam dizer quem a começou. É uma campanha interna, entre nós e nossos neurônios. Para barrar nossos instintos naturais e espontâneos de clicar na principal manchete do portal da Internet, ou de continuar com a TV ligada numa emissora que está distribuindo sangue e terror em sua sala. “Não clicar nos Nardoni” significa não dar popularidade às escolhas erradas. É salvar os jornalistas que talvez estejam num caminho feio sem ver, e a população, de ser influenciada a cometer atos menos nobres, ingenuamente.
Não peço uma mídia “Teletubbie”. O mundo realmente tem assuntos gravíssimos a serem tratados. O meio ambiente sendo devastado, novas ditaduras latino-americanas aparecendo. Mas nada me convence de que o drama de uma mãe que perdeu uma filha mereça tamanho destaque e eleve a educação de um povo. Será que a mãe merece ser parada sempre na rua e ser relembrada pelos pedestres de que sua filha morreu brutalmente, mesmo por meio de um: “força, mãe, estamos contigo”? Tudo em nome de uma novela caça-níqueis?
Editores, parem com isso. Caros amigos leitores, troquem de canal, visitem outro site. Vamos boicotar a máfia das novelas jornalísticas de terror e sangue. Vou parecer um político, mas a última frase terminará com um “juntos, podemos construir um mundo de notícias melhores”.
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2 comentários:
Como eu adoro essa sua lucidez...
Obrigado, grande artista!
É uma honra!
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